“Manual do Usuário” agitou a internet hoje como a tempos não se via. O motivo? A possível saída da Xiaomi do mercado brasileiro. Seria verdade?
Se a intenção era chamar fazer um artigo bombástico, sem sombra conseguiu com primor. Não se falava hoje de outra coisa nas comunidades relacionadas à tecnologia: O artigo do “Manual do Usuário” falando sobre a possível saída da Xiaomi do mercado brasileiro, graças à problemas relacionados ao desempenho comercial, fiscal e de qualidade. Resolvemos então olhar o artigo e ver até onde podemos considerar uma efetiva ameaça de saída e, consequentemente, de prejuízo para os consumidores nacionais.
A solicitação de uma DCOMP
Segundo o artigo, a empresa possui também a solicitação de uma DCOMP, podendo ser, entre outros motivos, um pedido de revisão de multas. Ora, se a dita fonte forneceu tantas informações, porque não explicou também o motivo para a demanda junto à Receita Federal?
Traduzindo a sigla, DCOMP significa “Declaração de Compensação” e não é, em nenhum momento, relacionado à solicitação revisão no valor de multas. O chute dado passa, e longe, da realidade contábil e fiscal. O DCOMP nada mais é que uma solicitação de restituição/compensação de impostos ou contribuições pagas à maior ou indevidamente.
Ou seja, é um direito já disponível para a empresa que solicita. Não um processo de recurso, propriamente dito. Não a toa que ele é vedado caso o dito crédito for proveniente de um processo ainda “em transito”, não julgado. Com isso, já dá para ver que é frágil e sem sustentação a suspeita levantada nesse sentido.
Aparelhos suspensos na ANATEL
Outro ponto citado em matéria foi a existência de aparelhos com status de “suspenso” no SGCH-Anatel. Mais uma vez, a fundamentação peca por tentar justificar seus chutes sem o minimo de coerência.
Se o status de “suspenso” junto à ANATEL fosse indicador de desistência ou abandono de marcas no mercado, hoje, poderíamos seguramente noticiar que todas as fabricantes em território nacional estão prestes à fechar ou que os seus produtos teriam sido tirados de circulação pelo órgão regulador.
Não, novamente, errado. A suspensão de uma licença não é sinônimo de aparelhos de baixa qualidade ou com riscos à segurança (todas as verificações pertinentes são feitas ANTES da homologação e com isso, o risco é vedado). Não a toa que por muitas vezes, os aparelhos demoram tanto.
O processo para a homologação passa por uma OCD (Organismo de Certificação Designado), que realiza todos os testes de segurança relacionados. Sendo aprovado o aparelho (bateria ou smartphone) é certificado e este documento é anexado ao processo. Basicamente, o processo não começa sem ele.
Posteriormente, a própria marca refutou a afirmação (integra do comunicado no final do artigo), citando a OCD responsável pela certificação da PowerBank.
Resumindo: Os aparelhos suspensos apenas deixaram de estar nos planos da Xiaomi para lançamento (O Redmi Note LTE, por exemplo, apenas teve homologação mas nunca veio à público, sendo esse, provavelmente, apenas uma mula para testes iniciais da marca para o processo de homologação e de redes nacionais) e não tiveram seus certificados renovados.
Encerramento de fabricação por parte da Foxconn
Outro ponto citado na matéria foi a suspensão de produção por parte da Foxconn de aparelhos da Xiaomi em sua planta em SP. Algo que chama atenção, no entanto, é a citação de um contra-senso: “estoque lotado” e “exista a saída da importação”.
Oras, se o estoque está abarrotado de aparelhos, é coerente segurar a produção para que ele seja escoado, certo? Isso é algo que ocorre em todos os mercados. Um exemplo é o automobilístico que, ao ter seus pátios cheios, decreta férias coletivas para segurar a produção e assim conseguir escoar o que ficou disponível no pátio.
Pra completar, qual a lógica de cogitar uma importação se o estoque está cheio? Faltou coerência de A à Z.
A Nota de esclarecimento à imprensa
Como era de se esperar, a Xiaomi se posicionou de forma rápida e esclareceu os pontos citados pela reportagem. O resumo da nota é: Estamos bem, obrigado e não vamos sair do país. Confiram abaixo a integra e tirem suas próprias conclusões.
Em esclarecimento à matéria “Xiaomi enfrenta dificuldades no Brasil e cogita sair do país”, publicada no Manual do Usuário no dia 06/05/2016, a Xiaomi, exercendo seu direito de resposta, reforça a informação de que os produtos do portfolio são montados no Brasil quando e se a fabricação se justificar frente à importação e que não estamos encerrando nossas operações no Brasil. Essas foram as únicas verificações feitas pelo Manual do Usuário junto à Xiaomi antes da publicação da matéria.
Aproveitamos também para esclarecer as várias especulações feitas no texto da matéria, que infelizmente não foram verificadas conosco:
- Nosso evento de lançamento, como a própria matéria esclarece, contou com a presença de 1.400 pessoas, entre elas parceiros, imprensa e, principalmente, Mi Fãs de várias cidades do Brasil. Dez destes Mi Fãs – de um grupo de 1.100 – foram convidados pela empresa, e não “pagos” para comparecer ao evento. Eles foram inclusive citados na apresentação;
- Nossa agência de assessoria de imprensa, GrupoCASA, foi contratada antes do evento de lançamento, parceria que permanece a mesma desde então. Tampouco compreendemos porque uma eventual troca de agência teria relação com as alegações feitas na matéria;
- Nosso modelo de vendas, em todos os mercados que operamos, se inicia com Eventos de Vendas com data e hora marcadas e evolui para vendas regulares online assim que somos capazes de gerenciar a demanda. Uma rápida pesquisa nas nossas maiores operações (China e Índia por exemplo) mostra que vendemos principalmente fora de eventos de vendas, com parceiros de ecommerce e com operadoras também. No Brasil, uma das implementações que fizemos foi a opção de pagamento por boleto, a pedido de nossos consumidores.
- É absolutamente improcedente a alegação de que o carregador portátil Mi Power Bank tenha apresentado problemas, quer seja na Anatel, quer seja na Receita Federal. O produto jamais apresentou qualquer falha em testes como as levianamente alegadas e tampouco a Xiaomi foi multada por quaisquer irregularidades. O site Manual do Usuário não conseguiu confirmar a informação destas fontes porque elas não procedem. Nos causa estranheza que ainda assim tenham decidido por divulgar essa informação incorreta, não verificada e que pode trazer preocupações infundadas aos consumidores, como confirmado pelo IBRACE (Instituto Brasileiro de Certificação, Organismo de Certificação Designado pela ANATEL):
“O OCD IBRACE notifica que a informação da matéria “Xiaomi enfrenta dificuldades no Brasil e cogita sair do país” não procede quanto à realização dos ensaios e as condições de Homologação da Mi Power Bank ou modelo NDY-02-AD. Acessórios de Celular do tipo Bateria Auxiliar ou Baterias de Lítio são submetidas aos testes da Resolução 481, as quais permitem o uso de Certificados provisórios de quatro meses, não tendo nenhuma relação com as condições de teste. Os testes deste processo não tiveram nenhum vazamento ou quaisquer intercorrências conforme podem verificar nos Certificados e Relatórios em anexo.”
A Xiaomi esclarece que o certificado encaminhado pelo IBRACE é público e pode ser verificado no site da ANATEL .
- A imagem do site da Anatel utilizada na matéria mostra o status atual da licença como suspenso. A Xiaomi não renovou a licença, pois o modelo inicialmente importado do Mi Power Bank se esgotou e, uma vez que já foi descontinuado do portfolio mundial, não será mais vendido no Brasil.
- Quanto à também inverídica alegação de que a Xiaomi teria sido multada por classificação incorreta no processo de importação, esclarecemos que o processo citado se refere a uma análise de compensação de tributos federais que passou por averiguação quanto à sua validade, tendo seu mérito reconhecido e arquivado, conforme descrito no próprio documento. Esse processo não tem qualquer relação com importação de produtos, que é realizada diretamente por empresas especializadas ou parceiros varejistas.
Conclusão
Pelo menos, aparentemente, olhando os pontos citados pelo MdU, “a fonte” citada algumas vezes na reportagem não trouxe bons fundamentos para justificar o rumor de que a marca estaria saindo do país, sendo frágil em suas colocações. Não estou aqui dizendo que a marca esteja passando por bons momentos no mercado (alguma marca está?) mas sim de que pelo exposto, é inviável apontar que uma fabricante daria as costas para um dos maiores mercados do mundo em consumo de smartphones e porta futura para acesso à outros países da América Latina.
Obviamente, a marca precisa se reinventar neste ano, que só será bom para empresas que atendam os anseios dos consumidores, trazendo bom custo-benefício, inovação e qualidade. O mercado será dominado por quem atentar para estes detalhes e observar que o consumidor brasileiro não é bobo e está cada vez mais antenado ao que consome, cada vez se baseando menos em grife e mais em bons produtos.
Resta a nós assistir pelas cenas dos próximos capítulos e ver se as informações procediam ou se estamos vendo apenas mais um belo clickbait sendo divulgado.